Reflexões de um velho espírito sobre o novo século
- Redação - Comunicação Estratégica | Assessoria de Imprensa

- 29 de abr.
- 5 min de leitura
Tenho alguns conhecidos que passaram pela minha vida e que, vez ou outra, ainda mantenho contato. Por algumas dessas pessoas eu acabo nutrindo quase que uma canina admiração. Allan Costa é uma delas.
O conheci no começo dos anos 2000, por intermédio de outro admirável personagem da vida pública, Reinhold Stephanes. Na época, Stephanes era Secretário de Estado do Paraná de Planejamento e Coordenação Geral e convidou Allan para ser Diretor-Geral da então secretaria. Os bastidores da negociação para a contratação e, principalmente, o argumento que ele utilizou, confesso, me deixaram maravilhado.
Uma frase simples, do tipo: “Olha, tenho total interesse no cargo. Posso colaborar muito e aprender demais, mas o único empecilho seria uma questão matemática…”. Com algo muito próximo disso, Allan Costa foi contratado. E não foi só isso: fez um governo inteiro se mover para chegar a algo satisfatório para contar com ele. É claro que currículo e experiência ele já tinha de sobra. Sempre se instruiu, sempre teve como meta ocupar posições estratégicas e de alto nível em grandes instituições. Aprendeu e evoluiu muito em contato com empresários e empreendedores, especialmente no período em que foi colaborador e, depois, superintendente do Sebrae/PR.
Explico o motivo da lembrança de Allan Costa agora. Recentemente, li em uma rede social um artigo dele sobre a Síndrome de Peter Pan, que no contexto empresarial, refere-se àquelas empresas que resistem ao crescimento e à mudança. Preferem manter-se pequenas, com estruturas informais, mesmo quando poderiam se beneficiar de uma maior escala, profissionalização e visão estratégica de futuro. Como é fácil aprender com quem está disposto a ensinar, tem metodologia e compartilha conhecimento com generosidade.
Lendo o artigo, lembrei-me de uma pequena história da época em que trabalhávamos juntos. Por uma feliz coincidência, minha mesa ficava muito próxima da sala do Diretor- Geral. Apenas uma fina parede de gesso separava os dois ambientes, mas não isolava nada acusticamente. Com o trabalho e o contato diário, notei certa vez, sobre a mesa dele, o livro As 48 Leis do Poder, de Robert Greene. Eu já havia lido a obra em casa e comentei com ele sobre minhas impressões. Trocamos ideias e percepções, algumas vezes era só aumentar um pouco o volume da voz que as respostas vinham no mesmo tom como se a parede fosse a precursora da Alexa. É assim que, hoje, ao reler o artigo e me lembrar dessa fase, voltei também ao livro. E com ele, relembrei ensinamentos e reencontrei reflexões que ainda fazem muito sentido no nosso tempo. E que agora, mais do que nunca, merecem ser revisitadas.
Se antes andávamos pelas ruas de Curitiba, agora, percorro silencioso os corredores digitais deste século. Naquela época, o homem escondia seus tormentos embaixo de japonas e moletons pesados, hoje, ele os ostenta em vídeos de quinze segundos, com legendas coloridas e filtros que suavizam a angústia. Mudou-se a embalagem, mas a alma permanece fraturada, implorando por significado.
Vejo agora que o mundo que se apresenta diante de nós está obcecado por uma nova divindade: o sucesso. Mas não falo aqui do sucesso como realização pessoal, como florescimento de talentos ou aprimoramento do espírito. Não. O sucesso hoje é o novo nome do poder. Um poder não mais declarado com espada ou cetro, mas medido em seguidores, engajamento, capital de influência. E sua face mais moderna se manifesta com uma ironia cruel: quem domina é quem melhor performa autenticidade.
Na obra seminal "As 48 Leis do Poder", Robert Grenne escreveu não um manual imoral, como alguns o acusam, mas um espelho daqueles que mostram não quem somos em nossas fantasias, mas no reflexo mais nu e incômodo. E esse espelho, escrito nos anos 90, antecipa com precisão cirúrgica o que vemos hoje nas redes sociais, nos podcasts, nas marcas pessoais: a glorificação da manipulação sutil, do brilho ininterrupto, da imagem cuidadosamente coreografada.
Uma de suas leis diz: "Chame atenção a qualquer preço." E o que são os algoritmos senão máquinas que recompensam o grito mais alto, o gesto mais teatral, o drama mais explícito? Uma outra lei diz: "Recrie-se." Que é a essência da vida digital. Reinvente-se, venda-se, edite-se. Seja uma versão aprimorada de si mesmo ou desapareça na irrelevância.
Mas o que isso nos custa? O que se perde quando o sucesso se torna sinônimo de poder? O que resta da alma humana quando sua principal função é converter-se em capital social?
Nas conversas que travo nas ruas e becos escuros da psique moderna, vejo pessoas jovens que não desejam mais descobrir quem são, mas sim construir o que o mercado deseja ver. Vejo adultos que substituíram o amor por networking e a sabedoria por performatividade. Vejo uma geração que se afunda no abismo da comparação, porque o sucesso se tornou uma vitrine infinita, acessada com um simples deslizar de dedo.
Os sociólogos chamam isso de “sociedade da performance”. Os psicólogos, de “cultura do burnout”. Eu chamo de tragédia moderna da alma invertida, aquilo que antes buscava a verdade, agora deseja a estética da verdade. Aquilo que ansiava pelo eterno, agora se contenta com o viral.
E o mais perigoso: quem não joga esse jogo, quem se recusa a vestir a máscara, é engolido. Greene dizia: "Não pareça perfeito demais." Isso, antes, era conselho de sobrevivência nas cortes. Hoje, é regra nas timelines. Todos expõem suas vulnerabilidades apenas na medida certa, o suficiente para parecer humanos, mas nunca tanto que afete o contrato de influência. É um novo tipo de hipocrisia, mais elegante, mais vendável.
Talvez você pense: "Mas isso é apenas o mundo como ele é, devemos nos adaptar". E talvez tenha razão. Afinal, como disse um homem chamado Maquiavel, que Greene cita como fonte: "O homem que tenta ser bom o tempo todo está fadado à ruína entre os inúmeros outros que não são bons."
Mas eu me pergunto: que preço estamos dispostos a pagar por esse novo sucesso?
Porque o sucesso, hoje, exige mais do que talento. Ele exige presença constante, vigilância eterna, controle da narrativa. Exige que você seja produto, personagem e, acima de tudo, estrategista de si mesmo. Exige que você jogue as 48 leis, mas com um sorriso nos lábios e hashtags de positividade. E isso, para mim, é a mais cruel prisão.
Não sou ingênuo, acho que nunca fui. Conheço o lado sombrio do homem. Sei que o poder sempre fascinou. Mas ao menos, a pouco tempo, havia espaço para o dilema, para a culpa, para a contradição. Hoje, há apenas métricas. E o algoritmo não conhece perdão.
Por isso, deixo aqui minha reflexão, não como um lamento nostálgico, mas como um convite: que você tenha coragem de perguntar o que é, afinal, o seu sucesso? E, se descobrir que ele se constrói sobre a negação da sua essência, que tenha também coragem para abandoná-lo.
Porque há um tipo de poder que não se mede em curtidas, mas em coerência. E esse, posso garantir, nunca sai de moda.






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